"Os Gregos da época arcaica fizeram da Memória uma deusa, Mnemosine. É a mãe das nove musas que ela procriou no decurso de nove noites passadas com Zeus. Lembra aos homens a recordação dos heróis e dos seus altos feitos, preside a poesia lírica. O poeta é pois um homem possuído pela memória, o aedo é um adivinho do passado, como o adivinho o é do futuro. É a testemunha inspirada dos "tempos antigos", da idade heróica e, por isso, da idade das origens.
A poesia, identificada com a memória, faz desta um saber e mesmo uma sageza, uma sophia. O poeta tem o seu lugar entre os "mestres da verdade" [cf. Detienne, 1967] e, nas origens da poética grega, a palavra poética é uma inscrição viva que se inscreve na memória como no mármore [cf. Svenbro, 1976]. Dissese que, para Homero, versejar era lembrar.
Mnemosine, revelando ao poeta os segredos do passado, o introduz nos mistérios do além. A memória aparece então como um dom para iniciados e a anamnesis, a reminiscência, como uma técnica ascética e mística. Também a memória joga um papel de primeiro plano nas doutrinas órficas e pitagóricas. Ela é o antídoto do Esquecimento. No inferno órfico, o morto deve evitar a fonte do esquecimento, não deve beber no Letes, mas, pelo contrário, nutrir-se da fonte da Memória, que é uma fonte de imortalidade.
Nos pitágoricos, estas crenças combinam-se com uma doutrina da reencarnação das almas e a via da perfeição é a que conduz a lembrança de todas as vidas anteriores. Aquilo que fazia de Pitágoras, aos olhos dos adeptos destas seitas, um ser intermediário entre o homem e Deus, pelo fato de ter conservado a lembrança das suas reencarnações sucessivas, nomeadamente da sua existência durante a guerra de Tróia sob a figura de Euforbo que Menelau tinha morto. Empédocles também lembrava: "Vagabundo exilado da divina existência ... fui outrora um rapaz e uma rapariga, um arbusto e um pássaro, um peixe que salta para fora do mar ... " [em Diels e Kranz, 1951,31, B.115 e 117]. " Le Goff
3 comentários:
Ser nutrido pela memória, fonte de todo malogro e de toda beleza que nos expõe no mundo das sensações e das idéias.
Para aqueles que não a carregam, a memória teima em lhes ferrar o corpo. Para os que a rejeitam, impediosa, marca a alma. Para os poucos que a respeitam, estes sim, abençoados por esta fonte, nutrem corpo e alma com a poesia de suas experiências e perduram apesar da vida e além da morte.
Crie, portanto, tua própria memória, antes que ela, como ervas daninhas, lhe possua o tronco da existência e afogue o espírito na mazela triste da incoerência.
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