segunda-feira, junho 11, 2007

Cotidiano

Logo no inicio da leitura do livro “A ordem do discurso”, aula inaugural pronunciada em dezembro na década de 70 por Michel Foucault, comecei a repensar situações vividas ou percebidas no meu cotidiano. Na minha nova trajetória de trabalho, logo identifiquei sintomas ao ler “Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstancia, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”. Dando continuidade reflete sobre a relação que se estabelece do discurso com o poder, a política e a sexualidade. Bom, lembrei-me das reuniões pedagógicas e de todo o jogo de poder, hierarquia, tempo de fala pré-estabelecido, e toda a hipocrisia silenciada em cada um dos encontros “reflexivos”. Se não fosse por alguns só se falaria do que supostamente deu certo e de como todos assumem seus papeis como “seu mestre mandou”. Continuando a leitura Foucault parte para o principio da exclusão e pensa na oposição razão e loucura. Ele discursa sobre uma série de coisas que o “louco” não pode fazer e participar socialmente desde a Alta Idade Média, até que chega a um ponto de vista que me fez recordar de uma situação que presenciei semana passada no ponto de ônibus. Trecho de Foucault: “... em contrapartida, que se lhe atribua, por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda a ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode perceber. È curioso constatar que durante séculos na Europa a palavra do louco não era ouvida, ou então, se era ouvida era escutada como uma palavra de verdade”. A situação que observei foi a de um louco conversando com um casal supostamente normal, onde durante o diálogo que tentavam estabelecer o rapaz dava uma sacaneada indiscreta no louco e sua namoradinha sorria, até que o louco “surto” – será que posso dizer assim? – e começou a falar em alto e bom tom de seus desejos. Nesse momento a conversa que se tornou pública, pois o louco falava bem alto, dizendo que queria matar a própria mãe, mas não poderia, pois se o fizesse não teria onde morar, e logo depois olhando do pé a cabeça à namorada do rapaz, que a essa altura já estava se afastando do louco, ele disse que queria comer a namorada dele, e ficou repetindo várias vezes e rindo. Na postura de observadora percebi o espanto de todos que estavam no ponto, alguns se chateando, outros rindo, e eu pensando na condição do louco, de como era corajoso, de quantas pessoas já não sentiram desejos semelhantes e sempre negaram para si mesmo com uma culpa do tamanho do calendário cristão ou num sonho esquecido...